quarta-feira, 26 de outubro de 2011

O trunfo da trufa

Por Sergio U. Dani, de Heidelberg, Alemanha.

Todo organismo tem seu parasita. E cada parasita, sua estratégia de parasitismo. A estratégia do fungo Ustilago maydis, popularmente conhecido como “a trufa do milho” (1) é a arte da ocultação da corrupção, uma espécie de “omertà” da sociedade vegetal, o fazer-de-conta que o parasita vive em harmonia com o hospedeiro. Essa estratégia consiste em corromper e usurpar a maquinaria do milho-hospedeiro, fazendo as células do milho crescerem em favor do parasita, mas retardando o aparecimento dos sintomas de doença. Afinal, uma doença prematura poderia afetar o crescimento da planta de forma tão grave que o fungo poderia não ser capaz de completar o seu ciclo de vida.

Os segredos dessa estratégia estão escritos no genoma da trufa do milho, que vem aos poucos sendo desvendado pela ciência. A equipe dos cientistas liderados por Jörg Kämper, do Instituto Max Planck para Microbiologia Terrestre de Marburg, Alemanha, descobriu que o genoma da trufa do milho é diferente dos genomas de outros fungos que causam doenças em plantas (2). Além de ser muito menor, o genoma da trufa do milho possui muito menos regiões intergênicas chamadas de introns, quando comparado com o genoma de outros fungos. A perda dos íntrons pode acontecer de forma mais acentuada nos genomas de organismos que apresentam alta eficiência de recombinação homóloga de transcritos reversos, uma espécie de corte-e-costura entre segmentos de sequências gênicas.

Mas, as diferenças não param aqui. O genoma da trufa do milho não apresenta sinais de eventos de duplicação em larga-escala, e não possui elementos de DNA repetitivos. Apenas cerca de 1% do seu genoma consiste de sequências não funcionais, tipicamente derivadas de transposons, popularmente conhecidos como “genes saltadores”. Esse percentual é muito baixo, se comparado ao de outros fungos patogênicos, e parece indicar a existência de um mecanismo de proteção do genoma contra genes invasores, ou “assaltantes”. A trufa do milho proteger-se-ia da invasão dos transposons do seu próprio hospedeiro, o milho, terminando prematuramente a transcrição desses genes. Agindo desta forma, garantiria a “pureza” de suas intenções parasíticas, e exerceria o parasitismo do hospedeiro “sem sujar as suas próprias mãos”, “sem se deixar influenciar”, “sem se deixar impedir”.

Como um vampiro que anestesia a pele da presa antes de sugar-lhe o sangue, a trufa-do-milho cuida de não alertar seu hospedeiro. Seu genoma possui apenas uns poucos genes responsáveis pela patogênese em outros fungos, como antibióticos, micotoxinas, enzimas hidrolíticas, etc. Essa trufa cheia de tretas mostra poucas armas, ou as traz disfarçadas, para não alertar a presa. O arsenal reduzido de enzimas hidrolíticas da trufa-do-milho parece estar perfeitamente alinhado com seu estilo de vida biotrófico, no qual uma lesão no hospedeiro deve ser minimizada e a liberação de fragmentos celulares, que frequentemente disparam respostas de defesa por parte da planta, deve ser evitada.

Para garantir seu sucesso reprodutivo, a trufa-do-milho precisa fazer os tecidos do milho crescerem em seu favor, e neutralizar ou despistar os mecanismos de defesa natural do milho. Essas tarefas cabem aos genes responsáveis pela inducão de crescimento ou formação de tumores vegetais – as “trufas” geralmente observadas na espiga do milho – e aos genes reprogramadores das funções naturais das células do milho. Esses genes são organizados em clusters ou grupos coligados no genoma da trufa-do-milho.

Um outro grupo de genes parece codificar proteínas que atenuam a virulência da própria trufa-do-milho, evitando a indução de trufas de tamanho e número exagerados, o que comprometeria a viabilidade do milho-hospedeiro e, por consequência, a própria sobrevivência da trufa-do-milho. Afinal, sem milho para parasitar, simplemente não haveria trufa-do-milho. A estratégia do fazer-de-conta que vive em harmonia com seu hospedeiro é o trunfo da trufa que causa imensas perdas nas plantações de milho em todo o mundo.

Referências e notas:

(1) Também conhecido como "carvão do milho", "carvão da espiga", "morrão do milho", "huitlacoche" ou "cuitlacoche".

(2) Kämper J, et al. 2006. Insights from the genome of the biotrophic fungal plant pathogen Ustilago maydis. Nature 444, doi:10.1038/nature05248

(3) A foto que ilustra este artigo foi reproduzida de http://en.wikipedia.org/wiki/File:Ustilago_maydis_de_2.jpg

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