segunda-feira, 28 de maio de 2012

A economia de bazar e as regras de educação e ética

Heidelberg, 28 de maio de 2012
Por Sergio Ulhoa Dani

No quadro-negro da crise sócio-econômica-ambiental mundial, a situação também está adversa para as Universidades alemãs. Vejam o caso da Medizinische Hochschule Hannover (MHH) no artigo publicado no Deutsches Ärzteblatt de 24 de maio: fechou 2011 com um deficit de quase 16 milhões de Euros.

A MHH é uma das maiores Faculdades de Medicina da Alemanha e a maior prestadora de serviços médicos na Baixa-Saxônia. O Vice-Presidente da MHH Holger Baumann elencou as principais causas que levaram a um aumento das despesas da ordem de 23 milhões ano passado: aumento do custo de pessoal por causa da elevação das tarifas (4,4 milhões de Euros), aumento dos insumos (3,2 milhões de Euros), aumento dos custos da energia (1 milhão de Euros) e redução do faturamento por causa da epidemia de EHEC-Escherichia coli entero-hemorrágica (2,9 milhões de Euros a menos). Além disso, Baumann também culpou um aumento de 170 postos de trabalho de tempo integral, sem que houvesse um aumento na mesma proporção na prestação de serviço. A receita do Vice-Presidente para apagar os números vermelhos do quadro-negro? A MHH terá que cortar na carne: 170 ficarão sem emprego.

Essas 170 pessoas serão lançadas na assistência social do Sozialstaat alemão ou, se tiverem sorte, serão reabsorvidas pelo mercado de trabalho recebendo um salário mais baixo, ou trabalhando em tempo parcial.

O problema da economia alemã, segundo o economista alemão Hans-Werner Sinn é que os salários e os benefícios sociais aqui são altos, os gastos de insumos e energia elevados demais, relativamente aos do resto do mundo. Numa economia globalizada, o Sozialstaat parece nadar contra a correnteza, contra a lei fundamental da Economia, o Faktorpreisausgleich, a tendência que os capitais têm de buscar sua multiplicação onde os custos de produção são mais baixos. Mas será assim tão simples?

A Alemanha de hoje é diferente da Alemanha do pós-guerra. Naquela época, a Alemanha parecia a China de hoje: trabalhava-se muito, contentava-se com pouco, poluia-se o ambiente e economizava-se dinheiro. Essa economia tornou possível construir o Sozialstaat alemão. A transformação gradual para a situação acompanhou-se da elevação dos salários e benefícios sociais, o aumento da demanda por insumos e energia e as melhorias ambientais.

Aí veio a crise sócio-econômica-ambiental mundial. Em época de crise, sobrevive quem corta custos, quem é thrifty. E cortar custo é sempre mais fácil que aumentar faturamento. Pois o engenhoso sistema alemão de relacionamento com os outros países e regiões do mundo aparentemente consegue fazer as duas coisas, cortar custo e aumentar faturamento.

Como?

Os bancos alemães estão abarrotados de dinheiro, é o dinheiro dos salariados da Alemanha e dos outros países europeus que se transforma automaticamente em capital. Só que as empresas e os capitalistas alemães não tomam esse dinheiro emprestado para investir aqui, porque os salários e as obrigações trabalhistas, previdenciárias, de seguros e ambientais são muito altas e muito justas, são "verdadeiras demais" para as empresas e o capital. Esse dinheiro é caro demais para as empresas e os capitalistas alemães. Por que investir aqui, se é possível investir onde os custos de produção são menores, onde a fração sócio-ambiental dos custos não é embutida nos custos totais de produção, onde o capital se multiplica mais rápido?

Então esses capitais são exportados para outros países ávidos por capitais, como os BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China) e os PIGs (Portugal, Itália, Grécia). O dinheiro é investido lá na produção, aos custos atrativos dos salários e benefícios sócio-ambientais subfaturados, ou na especulação, através de empréstimos concedidos pelos bancos a juros.

O que é produzido nesses países retorna desagregado para a Alemanha, e os alemães só tem que montar ou empacotar aqui, polir e colar o rótulo "MADE IN GERMANY". Aí o produto agregado é vendido aqui, ou exportado de volta para o mundo, inclusive para os BRIC e os PIG, aos preços que fazem jus à qualidade "MADE IN GERMANY".

Um carro popular da Volkswagen, por exemplo, tem mais de 2500 peças. Ao custo médio estimado de aquisição de uma peça fabricada na China, na Hungria ou no Brasil de 2 euros, e ao preço médio de venda do carro popular “MADE IN GERMANY” de 25 mil euros, obtem-se uma mais valia de 20 mil euros, algo em torno de 400% de mais valia. Assim o PIB alemão é gerado, em grande parte, fora da Alemanha, e "turbinado" aqui. Isso é o que Hans-Werner Sinn chama de "Economia de Bazar". A Alemanha se transformou em um Bazar.

Da mesma forma, o capital que é inflacionado pelas vias da especulação retorna para reiniciar o ciclo "MADE IN GERMANY". São "zilhões" de Euros da Alemanha vagando pelo mundo, sem lastro no salariado alemão. Menos capital investido na Alemanha, mais desemprego gerado aqui, mais emprego exportado, porque capital e trabalho precisam um do outro.

Uma consequencia dos salários altos na Alemanha é a tendência de somente os muito qualificados encontrarem emprego regular aqui. Os pouco qualificados, os menos qualificados, os em processo de qualificação, bem como os desqualificados, os imigrantes turcos, portugueses, europeus do leste, italianos, asiáticos, latinoamericanos etc são lançados no emprego precário, na meia-jornada de emprego, nas horas-extras não remuneradas ou na assistência social do Sozialstaat alemão, onde recebem algum tipo de seguro-desemprego, viram Hartz-IV, por exemplo.

Parte dessa turma aprendeu a viver assim, na pobreza digna de um país que ainda pode oferecer certa segurança, saúde e tranquilidade para os seus pobres. Outra parte significativa desse contingente, principalmente jovens desempregados, subempregados e sem perspectivas procuram saídas na comida, na televisão, nas drogas e no crime. Um dos resultados disso é o que se vê desfilar nos ambulatórios e enfermarias das clínicas universitárias e municipais alemãs: obesos, diabéticos, hipertensos infartados e sequelados, deprimidos, HIV-positivos, drogados, alcólatras e tabagistas.

Em Göttingen, cidade de 200 mil habitantes, uma em cada 8 pessoas é Schwerbehindert, totalmente dependente de cuidados de outrem. Mas as clínicas que atendem essa clientela estão em má situação financeira e são forçadas a demitir funcionários, assim como está fazendo a MHH. Na consequencia, familiares e médicos ficam cada vez mais sobrecarregados. Esses serviços extra de modo geral não são remunerados nem contabilizados nas estatísticas do governo. Ou seja, cresce o trabalho gratuito ou não remunerado. Em uma recente pesquisa de opinião conduzida pelo Hartmannbund em toda a Alemanha, apenas 50% dos estudantes de medicina declararam ter interesse em exercer a profissão na Alemanha. Excesso de trabalho e a dificuldade de combinar a vida privada com a vida profissional foram as razões mais comuns do desinteresse. Algumas especialidades médicas, como a Neurologia, sofrem crônicamente da falta de médicos.

Assim a sociedade alemã vai se dividindo em ricos e pobres, bem-educados e mal-educados, saudáveis e doentes, sobrecarregados e desempregados. E os ricos do basar ficam cada vez mais ricos, enquanto os pobres ficam cada vez mais pobres e doentes. Até parece o refrão de uma música que ouvimos no Brasil, tocada num ritmo bem mais lento, é verdade.

O gasto médio de um cidadão alemão com tratamento de saúde gira em torno de 3 mil Euros/ano, o salário médio (bruto) na Europa gira em torno dos 1000 Euros. Os desempregados, os empregados precários, os assistidos pelo Sozialstaat e os assistidos pela família recebem obviamente menos que isso, mas gastam relativamente mais com saúde. Em geral, gastam entre 25% e 50% do salário com saúde. Muitos duvidam da existência de um sistema de saúde público alemão, nessas condições.

A solução para a crise, segundo o economista Sinn é o "salário flexível" que inclui o saneamento do Sozialstaat, a redução dos salários muito altos, a troca do assistencialismo pelo estímulo ao empreendedorismo e à produtividade, as jornadas flexíveis de trabalho, o aumento da idade de aposentadoria, etc.

Na verdade, essa solução já está sendo lenta e naturalmente posta em prática, mas os gastos com saúde continuam batendo records sucessivos de aumento absoluto e proporcional, ao mesmo tempo em que os recolhimentos diminuem porque diminui o emprego. No momento, não há razão para acreditar que a flexibilização dos salários seria boa para a saúde dos pobres e para o bem-estar geral da sociedade.

Mas os ricos capitalistas alemães não são os únicos responsáveis pela crise. Responsáveis também são os pobres trabalhadores do mundo que abastecem o bazar alemão com peças e insumos a preço de banana, e os consumidores que tomam dinheiro emprestado para recomprar os produtos e os capitais "MADE IN GERMANY" a preço de ouro. Isso não resolve o problema dos pobres alemães, e só agrava os problemas sócio-econômico-ambientais dos pobres do mundo. "Você conhece o pedreiro Waldemar, que constrói casa e não tem casa para morar"? (marchinha de carnaval do Wilson Batista). Parte da população grega já compreendeu essa dinâmica e protesta contra o empréstimo do governo alemão aos bancos gregos.

Moral da história: se você quer sobreviver nesse mundo, é simples, basta seguir duas regrinhas.

Regra número um, ou a “regra educada”: “Tudo o que você fizer, faça bem feito, com conhecimento e consciência, e sempre melhor”. Valorize o seu meio ambiente, o que dá suporte a sua vida, começando por si próprio, seu corpo, seu cérebro, sua família, seus colegas, sua profissão, seu serviço, seu produto, seu campo e sua natureza, sua cidade e seu país. Valorizar é “agregar valor”, “cuidar”, “conservar” e “promover”, não é simplesmente “vender mais caro”.

Regra número dois, ou a “regra ética”: “Faça por eles como se fosse por você”. Não tome nem empreste dinheiro, em vez disso doe, compartilhe ou invista o seu tempo e o seu dinheiro na sua comunidade próxima. Cuide da saúde pública e do ambiente, porque eles representam a parte mais importante e fundamental do seu custo de vida e da sua qualidade de vida, a parte que lhe restará, quando a crise bater na sua porta.

Essas regras não são novas. Os economistas-humanistas "Confúcio da China" e "Jesus de Nazaré" chegaram às mesmas conclusões, há milhares de anos, respectivamente: "exija muito de si próprio e espere pouco dos outros" e "amai ao próximo como a si mesmo"

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