quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Clausura acadêmica

Por que o Brasil jamais ganhou um Prêmio Nobel? Por que a nossa universidade mais bem colocada num ranking mundial, a USP, ocupa um inquietante 226º lugar?

Por Evaldo Vilela (*)

O Globo - 18/10/2014

Hora de comemorar. A Medalha Fields de Matemática, conferida ao brasileiro Artur Ávila Cordeiro de Melo, equivalente ao Prêmio Nobel, é um feito histórico. Hora também de formular perguntas que não querem calar. Por que o Brasil jamais ganhou um Prêmio Nobel? Por que a nossa universidade mais bem colocada num ranking mundial (Times Higher Education), a USP, ocupa um inquietante 226º lugar? Por que a academia brasileira não está no debate nacional e é ignorada na agenda dos candidatos?

Talvez porque a universidade seja percebida, no Brasil, como fábrica de diplomas, mero trampolim profissional. Na sociedade do conhecimento, outros países a veem como plataforma para o desenvolvimento. Ranquear o trabalho científico não é algo simples. E nem sempre científico, stricto sensu. Mas os números do Nobel nos sugerem que há algo no ar: EUA, 334; Alemanha, 103; Canadá, 21; Áustria, 19; Argentina, cinco. Um certo Ryberg Niels colocou as Ilhas Fahroé na lista, com um Nobel de Medicina. Em outras Copas, o Brasil tem tomado severas goleadas. Nesta, sequer participa.

Nos EUA, para ir à Lua, a visão estratégica reestruturou o ensino da Matemática, alterando a lógica e o conteúdo da formação dos engenheiros. Na Ásia, foram implantados ambientes de inovação em universidades e centros de pesquisa, como parques tecnológicos, incubadoras, aceleradoras de empresas. Aproximaram o mundo da pesquisa do mundo dos negócios. O foco: a solução de problemas que impactam a qualidade de vida das pessoas, geram riquezas, novos empregos.

Receita que o Brasil tenta seguir, mas peca na quantidade, na velocidade das ações, no financiamento. Por não compreender a nova economia? Uma pena! Pois não só reúne condições como precisa reter seus cérebros: o jovem ganhador da Medalha Fields, por exemplo, trabalha hoje para a França. No passado, conseguimos reter Jacob Palis, ganhador do Prêmio Balzan, e atual presidente Academia Brasileira de Ciências.

Mas, se os brasileiros não estão falando sobre a universidade, é porque não conseguem perceber de forma clara como a instituição afeta — ou poderia afetar — as suas vidas, além do diploma! Nós, os pesquisadores, não participamos desse “diálogo” de forma direta, cognitiva, comparativa. Reservamos nossas considerações para círculos fechados, e em linguagem técnica, complexa.

A Ciência precisa entrar na agenda da sociedade. E a sociedade brasileira precisa urgentemente entrar na agenda da Ciência. Numa era de rupturas e transformações, o cientista não pode dar-se ao luxo da clausura. Urgem políticas públicas em favor do aprendizado, do despertar de novos talentos, de jovens empreendedores.

Eles estão aí e não são poucos. Buscam projetos profissionais, mas também buscam causas, apoiadas em anseios planetários por um mundo melhor. Nesse contexto, criamos com o Instituto Fórum do Futuro, presidido pelo ex-ministro, ganhador do World Food Prize, Alysson Paulinelli, o Prêmio Novos Talentos Para a Agricultura Sustentável, que visa aproximar jovens urbanos das áreas de tecnologia do desafio de aumentar a produção de alimentos e ao mesmo tempo intensificar a sustentabilidade. Formar cientistas, sim. Mas, também, formar cidadãos focados na solução de problemas.

Inovar é correr riscos. O modelo atual de financiamento da pesquisa estimula o pesquisador a optar pelo simples e seguro, na percepção burocrática dos órgãos de controle. Urge aprovar o Código Nacional de Ciência e Tecnologia, em substituição à Lei 8.666 para a pesquisa.

Ou o Brasil determina o próprio futuro ou está condenado à condição de usuário de pacotes de tecnologia importados. Cabe aos cientistas decodificar significados e apontar consequências. A sociedade sabe que lideramos o mercado mundial de frango. Mas não sabe que as avós (a matriz tecnológica) dos nossos pintinhos moram na Inglaterra, na Holanda, nos EUA.

(*) Evaldo Vilela é membro da Academia Brasileira de Ciências e do Fórum do Futuro.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/clausura-academica-14285256#ixzz3GgtuylLg

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